O Direito do Trabalho nasceu por necessidade humanitária de se regulamentar as relações de trabalho entre empregadores e empregados, visando à proteção destes. O seu marco principal foi a Revolução Industrial, quando os trabalhadores eram expostos às mais indignas e desumanas condições de trabalho, cumprindo jornadas excessivas de até 16 horas por dia, não tinham salário mínimo garantido e outros direitos básicos fundamentais ao asseguramento de uma mínima dignidade como seres humanos. Daí surgiu a organização sindical e a necessária intervenção do Estado, que até então era omisso.
A criação do Direito do Trabalho no Brasil teve início no começo do século XX, primeiro, totalmente legislado e, depois, normatizado pela Justiça do Trabalho através do seu poder normativo e mais na frente também de forma negociada, levando, com o tempo, a importantes conquistas, porém, com sacrifício e muita luta dos trabalhadores organizados em sindicatos, que nasceram livres e depois, especialmente na era Vargas a partir de 1937, passaram a ser controlados pelo Estado.
Com a Constituição Federal de 1988 os direitos sociais e fundamentais trabalhistas sofreram importante evolução, balizados pela valorização do trabalho humano, pelo valor social do trabalho e pela livre iniciativa (CF, artigos 1º e 170). Podemos afirmar, pois, que a Carta de 1988 manteve direitos já existentes e acrescentou outros, voltados à personalidade do trabalhador, como a não discriminação e proteção á vida e integridade física e psíquica no ambiente de trabalho.
Com efeito, há muito tempo se faz presente no cenário jurídico trabalhista a discussão envolvendo a onda de mudanças dos direitos trabalhistas, uns preconizando a simples desregulamentação (deixar tudo para a livre negociação entre empregados e empregadores) e outros a sua flexibilização (flexibilizar a aplicação das normas trabalhistas).
É certo que o Direito do Trabalho no Brasil já está bastante flexibilizado, cujos importantes exemplos são a quebra da estabilidade no emprego, substituída pelo FGTS, a denúncia da Convenção 158 da OIT, que regula o procedimento de demissões coletivas e a criação da Lei 6.019/74 sobre trabalho temporário, que com o tempo influenciou sobremaneira o processo de terceirização das atividades produtivas e de serviços, que avança a cada dia. Faz-se muito presente no momento o alerta de Cesarino Júnior sobre essa lei, o qual temia as suas consequências para o Direito do Trabalho já naquela época, dizendo que ela poderia eliminar toda uma legislação social trabalhista, se contivesse saídas e aberturas, porque nenhuma empresa iria contratar mais empregados para assumir o ônus da legislação trabalhista.
Nessa senda, o processo de globalização e as flutuantes e corriqueiras crises econômicas que têm atingido o mundo e o Brasil têm propiciado a diminuição de direitos trabalhistas (desregulamentação de alguns direitos e muita flexibilização de outros). Nesse contexto torna-se difícil manter as atuais conquistas e, mais ainda, conquistar novos direitos.
Em momento de crise econômica, como a que se vive hoje no Brasil, muitas vezes são as empresas que procuram os Sindicatos ou os trabalhadores diretamente, para negociar redução ou flexibilização de direitos, como, por exemplo, demissões em massa, planos de demissão voluntária, suspensão temporária do contrato de trabalho (lay-off) para participação dos empregados em cursos e programas de qualificação profissional, concessão de férias coletivas, redução temporária da jornada da trabalho e salário, pagamento parcelado das verbas rescisórias, entre outras situações não comuns em épocas normais.
Os sindicatos, que no Brasil, na sua maioria, são fracos e desorganizados, enfrentam muitas dificuldades para negociar com os patrões, especialmente em épocas de crise econômica. O certo é que em muitos casos não há verdadeiramente uma negociação, mas, imposição: o empregador apresenta uma única proposta sem oferecer alternativas e diálogo. É o "pegar ou largar”.
A negociação coletiva, certamente, é o meio mais importante para a solução dos conflitos de trabalho entre empregados e empregadores, desde que haja transparência e boa fé entre as partes. Assim, de um lado, devem as empresas, ao alegarem motivo de crise econômica, provar não apenas que estão lucrando menos, mas, que está sofrendo prejuízo a ponto de inviabilizar a sua atividade, porque como se sabe, há empresas em crise, mas outras se aproveitam do momento para querer reduzir custos e direitos. De outro lado, os Sindicatos devem agir com muito responsabilidade e criatividade e organizar os trabalhadores e a eles apresentar a situação real, a fim de obter aprovação de soluções que visem especialmente preservar empregos.
Ademais disso, não se pode prescindir da presença e participação do Estado em momentos de crise, de difícil solução direta entre as partes. O Estado tem obrigação de compreender a situação e contribuir na busca de soluções que evitem mais problemas sociais, porque baixa produtividade, desemprego e poucas vendas acarretam consequências para toda sociedade.
Nesse diapasão, invoco a participação do Executivo por meio do Ministério do Trabalho, ajudando nas negociações e, igualmente, do Ministério Público do Trabalho, que também tem papel importante na mediação de conflitos trabalhistas, desvestindo-se os seus membros, nessa tarefa, do seu poder investigativo. Igualmente, a Justiça do Trabalho, desde e especialmente a primeira instância, pode contribuir ajudando as partes na solução dos problemas, que se avolumam a cada dia, exercendo mais o seu papel conciliatório do que mesmo de julgar, que deve ficar para a última hipótese. Se o TST está abrindo a possibilidade de conciliação trabalhista antes do ajuizamento de Dissídios Coletivos, essa mesma solução deve ser pensada para a primeira instância, onde estão os graves e complexos problemas que afligem os trabalhadores, que muitas vezes perdem o emprego e sequer recebem os direitos básicos alimentares, e simplesmente terão que aguardar uma audiência de conciliação depois muitos meses pela frente.
É claro que estamos falando de um momento de crise, que se espera seja passageiro, mas que requer compreensão e esforço de todos para se encontrar soluções também passageiras, sem, pelo motivo da crise cíclica, retirar direitos básicos fundamentais dos trabalhadores, o chamado patamar civilizatório mínimo ao trabalhador, como preconiza Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 15a ed. SP, LTr, 2016, p. 1465-1467).
As questões são pontuais porque a atual crise econômica que assola o Brasil será passageira, como tantas outras que já enfrentamos, a qual não pode ser motivo para justificar um desmonte do Direito do Trabalho, como querem algumas pessoas não comprometidas com as garantias sociais mínimas dos trabalhadores.
(*) Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Raimundo Simão de Melo (*), 06.05.2016
A criação do Direito do Trabalho no Brasil teve início no começo do século XX, primeiro, totalmente legislado e, depois, normatizado pela Justiça do Trabalho através do seu poder normativo e mais na frente também de forma negociada, levando, com o tempo, a importantes conquistas, porém, com sacrifício e muita luta dos trabalhadores organizados em sindicatos, que nasceram livres e depois, especialmente na era Vargas a partir de 1937, passaram a ser controlados pelo Estado.
Com a Constituição Federal de 1988 os direitos sociais e fundamentais trabalhistas sofreram importante evolução, balizados pela valorização do trabalho humano, pelo valor social do trabalho e pela livre iniciativa (CF, artigos 1º e 170). Podemos afirmar, pois, que a Carta de 1988 manteve direitos já existentes e acrescentou outros, voltados à personalidade do trabalhador, como a não discriminação e proteção á vida e integridade física e psíquica no ambiente de trabalho.
Com efeito, há muito tempo se faz presente no cenário jurídico trabalhista a discussão envolvendo a onda de mudanças dos direitos trabalhistas, uns preconizando a simples desregulamentação (deixar tudo para a livre negociação entre empregados e empregadores) e outros a sua flexibilização (flexibilizar a aplicação das normas trabalhistas).
É certo que o Direito do Trabalho no Brasil já está bastante flexibilizado, cujos importantes exemplos são a quebra da estabilidade no emprego, substituída pelo FGTS, a denúncia da Convenção 158 da OIT, que regula o procedimento de demissões coletivas e a criação da Lei 6.019/74 sobre trabalho temporário, que com o tempo influenciou sobremaneira o processo de terceirização das atividades produtivas e de serviços, que avança a cada dia. Faz-se muito presente no momento o alerta de Cesarino Júnior sobre essa lei, o qual temia as suas consequências para o Direito do Trabalho já naquela época, dizendo que ela poderia eliminar toda uma legislação social trabalhista, se contivesse saídas e aberturas, porque nenhuma empresa iria contratar mais empregados para assumir o ônus da legislação trabalhista.
Nessa senda, o processo de globalização e as flutuantes e corriqueiras crises econômicas que têm atingido o mundo e o Brasil têm propiciado a diminuição de direitos trabalhistas (desregulamentação de alguns direitos e muita flexibilização de outros). Nesse contexto torna-se difícil manter as atuais conquistas e, mais ainda, conquistar novos direitos.
Em momento de crise econômica, como a que se vive hoje no Brasil, muitas vezes são as empresas que procuram os Sindicatos ou os trabalhadores diretamente, para negociar redução ou flexibilização de direitos, como, por exemplo, demissões em massa, planos de demissão voluntária, suspensão temporária do contrato de trabalho (lay-off) para participação dos empregados em cursos e programas de qualificação profissional, concessão de férias coletivas, redução temporária da jornada da trabalho e salário, pagamento parcelado das verbas rescisórias, entre outras situações não comuns em épocas normais.
Os sindicatos, que no Brasil, na sua maioria, são fracos e desorganizados, enfrentam muitas dificuldades para negociar com os patrões, especialmente em épocas de crise econômica. O certo é que em muitos casos não há verdadeiramente uma negociação, mas, imposição: o empregador apresenta uma única proposta sem oferecer alternativas e diálogo. É o "pegar ou largar”.
A negociação coletiva, certamente, é o meio mais importante para a solução dos conflitos de trabalho entre empregados e empregadores, desde que haja transparência e boa fé entre as partes. Assim, de um lado, devem as empresas, ao alegarem motivo de crise econômica, provar não apenas que estão lucrando menos, mas, que está sofrendo prejuízo a ponto de inviabilizar a sua atividade, porque como se sabe, há empresas em crise, mas outras se aproveitam do momento para querer reduzir custos e direitos. De outro lado, os Sindicatos devem agir com muito responsabilidade e criatividade e organizar os trabalhadores e a eles apresentar a situação real, a fim de obter aprovação de soluções que visem especialmente preservar empregos.
Ademais disso, não se pode prescindir da presença e participação do Estado em momentos de crise, de difícil solução direta entre as partes. O Estado tem obrigação de compreender a situação e contribuir na busca de soluções que evitem mais problemas sociais, porque baixa produtividade, desemprego e poucas vendas acarretam consequências para toda sociedade.
Nesse diapasão, invoco a participação do Executivo por meio do Ministério do Trabalho, ajudando nas negociações e, igualmente, do Ministério Público do Trabalho, que também tem papel importante na mediação de conflitos trabalhistas, desvestindo-se os seus membros, nessa tarefa, do seu poder investigativo. Igualmente, a Justiça do Trabalho, desde e especialmente a primeira instância, pode contribuir ajudando as partes na solução dos problemas, que se avolumam a cada dia, exercendo mais o seu papel conciliatório do que mesmo de julgar, que deve ficar para a última hipótese. Se o TST está abrindo a possibilidade de conciliação trabalhista antes do ajuizamento de Dissídios Coletivos, essa mesma solução deve ser pensada para a primeira instância, onde estão os graves e complexos problemas que afligem os trabalhadores, que muitas vezes perdem o emprego e sequer recebem os direitos básicos alimentares, e simplesmente terão que aguardar uma audiência de conciliação depois muitos meses pela frente.
É claro que estamos falando de um momento de crise, que se espera seja passageiro, mas que requer compreensão e esforço de todos para se encontrar soluções também passageiras, sem, pelo motivo da crise cíclica, retirar direitos básicos fundamentais dos trabalhadores, o chamado patamar civilizatório mínimo ao trabalhador, como preconiza Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 15a ed. SP, LTr, 2016, p. 1465-1467).
As questões são pontuais porque a atual crise econômica que assola o Brasil será passageira, como tantas outras que já enfrentamos, a qual não pode ser motivo para justificar um desmonte do Direito do Trabalho, como querem algumas pessoas não comprometidas com as garantias sociais mínimas dos trabalhadores.
(*) Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Raimundo Simão de Melo (*), 06.05.2016