O governo federal venceu ontem a disputa bilionária sobre a chamada "desaposentação”. Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou a possibilidade de recálculo de aposentadoria a partir de novas contribuições. E agora existe a possibilidade de o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pedir o ressarcimento de valores obtidos por aposentados na Justiça, de acordo com a Advocacia-Geral da União (AGU).
O tema era um dos mais relevantes para a União entre os que tramitam no Judiciário. Eventual decisão desfavorável poderia gerar um impacto anual de R$ 7,7 bilhões, segundo a AGU. Pelos cálculos da Previdência Social, alcançaria R$ 181,8 bilhões em 30 anos.
O assunto foi julgado em dois recursos e um processo com repercussão geral. Há quase 70 mil casos suspensos. Os ministros deixaram para hoje a fixação da tese contra a desaposentação.
No julgamento, a maioria afirmou que apenas por meio de lei seria possível fixar critérios para os benefícios serem recalculados. A decisão frustra as expectativas dos 182,1 mil aposentados com ações sobre o assunto, segundo levantamento da AGU.
"É no âmbito do Congresso Nacional que as partes interessadas na desaposentação terão o amparo legal e não na jurisprudência”, afirmou o ministro Luiz Fux. Para o ministro, há um problema de legalidade, uma vez que não há norma que conceda o benefício. Esse recálculo, segundo ele, começou no Brasil pela jurisprudência e doutrina, sem previsão legal.
De acordo com o ordenamento jurídico vigente, acrescentou Fux, os aposentados que retornam à atividade são contribuintes obrigatórios para colaborar de forma solidária com a Previdência Social, e não para renovação de seus benefícios.
A maioria dos ministros teve o mesmo entendimento de Fux, seguindo o voto divergente de Dias Toffoli e Teori Zavascki, apresentado em 2014. Naquela época, o julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Rosa Weber. Na sessão de ontem, também votaram contra o benefício Cármen Lúcia, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Edson Fachin.
O ministro Marco Aurélio já havia votado a favor da desaposentação, de forma mais ampla. Na ocasião, destacou que o beneficiário que volta a trabalhar para melhorar sua renda é obrigado por lei a contribuir novamente com a Previdência Social. Já Luís Roberto Barroso havia apresentado um voto intermediário e foi acompanhando por Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. "Não há, na Constituição, nenhum dispositivo que proíbe a desaposentação”, afirmou.
Pela proposta intermediária, o valor do segundo benefício seria superior ao primeiro, mas inferior ao montante pedido pelo aposentado. O voto considera o intervalo em que o aposentado já recebia o benefício e continuou contribuindo. Barroso previu ainda que a proposta só valeria 180 dias após sua publicação, para que o Congresso Nacional pudesse se manifestar sobre o assunto, se entendesse necessário.
A tese da desaposentação surgiu em 1999, com a implantação do fator previdenciário, que aumentou a idade mínima para obtenção do benefício integral. Mas o assunto foi impulsionado mesmo em 2013, quando o STJ decidiu de forma favorável aos aposentados.
Para o advogado Leandro Madureira, do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes e Advogados, que atuou como assistente na defesa de um dos aposentados que teve sua ação analisada, o julgamento surpreendeu. "Imaginávamos que haveria pedido de vista, diante da complexidade da questão e do momento de crise econômica. Mas preferiram encerrar o julgamento de forma definitiva”, disse. A decisão, acrescentou, contraria a Constituição, que estabelece a retribuição aos que contribuem.
Especialista na área, o advogado Murilo Aith, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, que defende cerca de cinco mil aposentados, considerou que "o Supremo fez uma injustiça social”. Para ele, o fator decisivo foi a situação econômica do país. "Alguns votos foram políticos e focados no atual cenário econômico.”
Segundo Aith, o julgamento ainda deixou claro que o aposentado deve contribuir para o INSS mesmo sem contrapartida, ainda que a Constituição diga o contrário. Com isso, os aposentados poderão não ter chance nas ações em que buscam pleitear o que já foi pago. "Isso já foi tentado no passado e não se obteve sucesso”, afirmou. Para ele, o único caminho seria o Legislativo.
O professor de direito constitucional da FGV São Paulo, Rubens Glezer, por outro lado, entendeu que o julgamento não foi político, mas firmado no que prevê o sistema previdenciário do Brasil. "O nosso sistema não é individual, mas um sistema de solidariedade e o pagamento serve para bancar a aposentadoria de outras pessoas.”
Fonte: Valor Econômico, por Beatriz Olivon e Adriana Aguiar, 27.10.2016
O tema era um dos mais relevantes para a União entre os que tramitam no Judiciário. Eventual decisão desfavorável poderia gerar um impacto anual de R$ 7,7 bilhões, segundo a AGU. Pelos cálculos da Previdência Social, alcançaria R$ 181,8 bilhões em 30 anos.
O assunto foi julgado em dois recursos e um processo com repercussão geral. Há quase 70 mil casos suspensos. Os ministros deixaram para hoje a fixação da tese contra a desaposentação.
No julgamento, a maioria afirmou que apenas por meio de lei seria possível fixar critérios para os benefícios serem recalculados. A decisão frustra as expectativas dos 182,1 mil aposentados com ações sobre o assunto, segundo levantamento da AGU.
"É no âmbito do Congresso Nacional que as partes interessadas na desaposentação terão o amparo legal e não na jurisprudência”, afirmou o ministro Luiz Fux. Para o ministro, há um problema de legalidade, uma vez que não há norma que conceda o benefício. Esse recálculo, segundo ele, começou no Brasil pela jurisprudência e doutrina, sem previsão legal.
De acordo com o ordenamento jurídico vigente, acrescentou Fux, os aposentados que retornam à atividade são contribuintes obrigatórios para colaborar de forma solidária com a Previdência Social, e não para renovação de seus benefícios.
A maioria dos ministros teve o mesmo entendimento de Fux, seguindo o voto divergente de Dias Toffoli e Teori Zavascki, apresentado em 2014. Naquela época, o julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Rosa Weber. Na sessão de ontem, também votaram contra o benefício Cármen Lúcia, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Edson Fachin.
O ministro Marco Aurélio já havia votado a favor da desaposentação, de forma mais ampla. Na ocasião, destacou que o beneficiário que volta a trabalhar para melhorar sua renda é obrigado por lei a contribuir novamente com a Previdência Social. Já Luís Roberto Barroso havia apresentado um voto intermediário e foi acompanhando por Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. "Não há, na Constituição, nenhum dispositivo que proíbe a desaposentação”, afirmou.
Pela proposta intermediária, o valor do segundo benefício seria superior ao primeiro, mas inferior ao montante pedido pelo aposentado. O voto considera o intervalo em que o aposentado já recebia o benefício e continuou contribuindo. Barroso previu ainda que a proposta só valeria 180 dias após sua publicação, para que o Congresso Nacional pudesse se manifestar sobre o assunto, se entendesse necessário.
A tese da desaposentação surgiu em 1999, com a implantação do fator previdenciário, que aumentou a idade mínima para obtenção do benefício integral. Mas o assunto foi impulsionado mesmo em 2013, quando o STJ decidiu de forma favorável aos aposentados.
Para o advogado Leandro Madureira, do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes e Advogados, que atuou como assistente na defesa de um dos aposentados que teve sua ação analisada, o julgamento surpreendeu. "Imaginávamos que haveria pedido de vista, diante da complexidade da questão e do momento de crise econômica. Mas preferiram encerrar o julgamento de forma definitiva”, disse. A decisão, acrescentou, contraria a Constituição, que estabelece a retribuição aos que contribuem.
Especialista na área, o advogado Murilo Aith, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, que defende cerca de cinco mil aposentados, considerou que "o Supremo fez uma injustiça social”. Para ele, o fator decisivo foi a situação econômica do país. "Alguns votos foram políticos e focados no atual cenário econômico.”
Segundo Aith, o julgamento ainda deixou claro que o aposentado deve contribuir para o INSS mesmo sem contrapartida, ainda que a Constituição diga o contrário. Com isso, os aposentados poderão não ter chance nas ações em que buscam pleitear o que já foi pago. "Isso já foi tentado no passado e não se obteve sucesso”, afirmou. Para ele, o único caminho seria o Legislativo.
O professor de direito constitucional da FGV São Paulo, Rubens Glezer, por outro lado, entendeu que o julgamento não foi político, mas firmado no que prevê o sistema previdenciário do Brasil. "O nosso sistema não é individual, mas um sistema de solidariedade e o pagamento serve para bancar a aposentadoria de outras pessoas.”
Fonte: Valor Econômico, por Beatriz Olivon e Adriana Aguiar, 27.10.2016